Direita, esquerda e sinistra I

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MARCOS FERNANDES G. DA SILVA

 

Direita, esquerda e sinistra I

O debate sobre o que é ser de direita e ser de esquerda no Brasil, como tudo aliás que versa sobre política e economia, tem sido prejudicado por preconceitos, falta de formação, entropia de informação, inclusive de elites intelectuais, o que é imperdoável. Coloco aí, neste conjunto chamado elite intelectual formadores de opinião, jornalistas, professores do ensino médio e universitário e políticos.

A falta de racionalidade e os preconceitos, mesmo fora do vox populi das redes sociais, atinge a elite da direita feroz e da esquerda raivosa. As declarações de Marilena Chauí, Leonardo Boff e outros sobre economia principalmente, na caracterização do espectro ideológico, são sofríveis, causam vergonha alheia.

Esta é a primeira parte de um artigo que procura limpar este meio de campo de um Fla Flu mal jogado, feio. Isto pois, a segunda parte, a ser publicada posteriormente aqui no Estadão, analisará os programas econômicos do PT, racional, de direita (sem querer) sobre vários aspectos, do PSDB, racional e de esquerda, também sobre vários aspectos e do PSOL, cômico e patético, e não peripatético, sobre todos os aspectos.

O que você diria de um sujeito que votaria da seguinte forma no primeiro turno das eleições de 2014: Presidente, Marina, Senador, Serra, Deputado Federal, se saísse por São Paulo, daí o verbo no condicional, Jean Wyllys? Ao primeiro julgamento do fundamentalista de direita ou de esquerda, esse camarada seria irracional. Bem, votei em Marina, Serra e votaria e Jean e me considero mais do que racional, mas razoável e tolerante.

Todavia, boa parte dos preconceitos, inclusive de Jean Wyllys e de muitos da direita vêm do não debate sobre definições.

Por exemplo, os conhecimentos de economia de Jean Wyllys são vergonhosamente primitivos e infantis, algo aliás comum ao programa do PSOL, como veremos, onde a ignorância econômica é regiamente compartilhada pelo quase candidato do partido para o governo do Estado de São Paulo Vladimir Safatle, cujos conhecimentos de economia equivalem aos meus de Freud e Lacan, ou seja, zero à esquerda (trocadilho, baixa literatura, sei, mas tal qual o personagem de Dr. Schultz – Christoph Waltz – em Django Livre de Tarantino, “não me contive, desculpe-me”)

É dever do debate ideológico fundamentado na ciência bater de frente com pessoas públicas ou que almejam cargos públicos, pois precisamos salvaguardar a razão crítica. Daí o primeiro passo talvez é tentar ensinar ao Jean e ao Safatle (poderia incluir aqui André Singer do PT, vamos ser justos), por exemplo, algumas coisas básicas. A primeira delas são seus erros de visão de mundo sobre esquerda e direita.

Aprendemos com Bobbio em Destra e Sinistra (https://books.google.com.br/books?id=PnSi4RDM31cC&redir_esc=y ) (e eu com o professor Claudio Gonçalves Couto da FGV) que a melhor definição de esquerda e direita é que, no eventual dilema entre igualdade e liberdade, a esquerda puxa seus argumentos para a valoração positiva da igualdade e a direita, para a liberdade.

Toda definição tem seus custos e benefícios. Esta é muito ampla, logo não permite esmiuçar com detalhe argumentos que são considerados de esquerda e que nada a ver têm com igualdade. Por exemplo, a oposição de sindicatos e movimentos sociais no Brasil à reforma da Previdência nada tem de relação com equidade, a não ser, suponho, pela ignorância da regressividade do sistema e de suas injustiças ou somente por racionalização meramente ideológica, imediata e irracional, passional. O mesmo vale para a defesa populista da universidade pública gratuita, cujo sistema nem tanto de financiamento, mas principalmente de gasto, é regressivo.

Podemos escolher nossa posição ideológica inicialmente dentro do espectro dos direitos civis e individuais. Eu sou a favor da legalização do mercado de todas as drogas com regulação por várias razões. Uma delas é, se houver tributação sobre elas, para internalizar custos de tratamento público de quem as usa, cada indivíduo faz de sua vida o que bem entender. Prostituição deveria ser legal, mercado de sangue, talvez, mas prefiro incentivar o altruísmo, casamento gay, sem dúvida, legal. Este tipo de agenda é normalmente chamada de libertária e bate com a visão do que seja “esquerda” de muitos, inclusive do deputado Jean Wyllys e de Fernando Gabeira, por exemplo. Eles e eu, mas o liberal clássico J S Mill, economista e lógico de monta, libertário precoce, também seríamos “de esquerda”.

Por aí já vimos como estas definições devem ser tratadas em partes. Primeiro podemos ordenar as opiniões de quem é de esquerda e direita a partir da avaliação que pessoas fazem sobre maximizar ou não as liberdades e direitos individuais, a proteção das minorias e de desejos e valores emergentes que não violem a liberdade alheia.

Eu prefiro definições lexicográficas por causa disso, pois são mais inteligentes e flexíveis, permitindo a construção de um dégradé ideológico (explico abaixo).

Contudo, podemos ordenar as preferências, ideologias das pessoas a partir da concepção que elas possuem sobre a relação entre equidade e liberdade, igualdade na saída e na chegada do jogo econômico, mérito versus assistencialismo, mercado alocando mais recursos e menos estado nessa função. Neste sentido, a direita neoliberal (Hayek, Buchanan, por exemplo) normalmente sustenta, com base em argumentos racionais e empíricos, que o estado não aloca bem recursos escassos. Aparentemente eles têm razão.

Por outro lado, a direita prega políticas sociais não assistencialistas, mas meritóricas e desconfia que o mercado não é um mecanismo tão eficiente de alocação de recursos.

A ordenação de ideologia econômica coloca mais do lado esquerdo proteção social e estado como empresa seguradora de última instância. A direita o oposto. A desigualdade não é um problema crucial para a direita, mas o é para a esquerda. Logo, dentre os economistas de maior destaque na academia, Piketty é de esquerda, assim como Robert Solow, Joseph Stiglitz, Paul Krugman. À direita, no contexto americano, temos Gregory Mankiw e economistas libertários filiados à Escola Austríaca.

Provavelmente para muitos políticos do PT e do PSOL, do PcdoB, intelectuais orgânicos sem formação na área, mas que palpitam sobre economia como o neoludista Aldo Rebelo, Solow, Piketty, Stiglitz e Krugman seriam de direita pois não defendem o socialismo e liberais, pois em inglês eles são chamados de liberals.

Aproveitando o ensejo, cabe notar a confusão linguística na qual se metem vários intelectuais brasileiros quando discutem o que é esquerda e direita no mundo aglosaxão, em particular nos EUA (a formação anda péssima, não temos mais Ruy Fauto e Leandro Konder na esquerda e José Guilherme Merquior e Oliveiros Ferreira à direita). Liberal (ing.) deve ser traduzido como esquerdista e conservative como neoliberal.

Mas a confusão dada pela ânsia de colocar em quadradinhos ideologias para definir se o cara, ela ou ele, senta com a torcida do Flu ou do Fla, leva a confusões mais interessantes, mas educativas. Muitos neoliberais são libertários, mas outros são mais conservadores no que tange a primeira ordenação lexicográfica (direitos humanos e civis maximizados).

E muitos neoliberais pregam a maximização das liberdades, estado mínimo e as virtudes do capitalismo (ele tem muitas). Seriam eles reacionários? Creio que associar esquerda a progressista, portanto, e direita a reacionários seja infantil, assim como necessariamente achar que se a pessoa é de esquerda ela compra um kit completo: ela é a favor das minorias, dos animais, do casamento gay, é contra o mercado, acha que a dívida pública deve ser auditada sem saber o que ela é e que os dados não são transparentes (Jean Wyllys e Safatle), que sempre o estado é melhor do que o mercado, que rico é malvado e que o lance é ser vegano.

Posso ser racional votando em Jean Wyllys por causa da sua agenda de direitos, em Serra, por sua agenda fiscalista de responsabilidade macroeconômica e em Marina, por tudo isso junto.

No próximo artigo desfiarei os programas econômicos do PSDB, PT PSOL e PSOL para mostrar que, sob vários aspectos, o do primeiro é de esquerda, o do segundo, de direita e o do terceiro surreal (mas divertidíssimo); o do PcdoB não tem graça.

 

MARCOS FERNANDES G DA SILVA, 52, pesquisador associado de políticas públicas (CEPESP/FGV), professor de microeconomia e governo (FGV/EAESP e DireitoGV da FGV) e pesquisador associado do projeto do supercomputador cognitivo Watson/IBM pela Fundação Getulio Vargas mfgdasilva@uol.com.br

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